Num
sobressalto, a vela sobre a mesa de madeira quis ser a lâmpada lá
do alto do mezanino.
Já
não queria mais estar presa à superfície plana: almejava, enfim,
contato com a eletricidade que parecia tão surreal e mais que tudo,
queria se ver livre da sensação de ser a última escapatória: nas
noites chuvosas, quando acaba a luz da cidade, então as pessoas
recorrem a acendê-la, brincam de adivinhar sombras nas paredes e
passado algum tempo, ainda reclamam da pouca luz que ofusca. Pois era
só a luz voltar para que a deixassem no seu posto de destino
irrevogável: prisão à superfície.
Estava
decidida: “Quero ser lâmpada”.
Desde
então se tornou cera vazia, cera triste... Escorrendo tão devagar,
quase falida.
Eis
que a lâmpada queimou e jogaram-na no lixo, despudoramente. Fado.
A
vela se sentiu ruborizada de tanto disparate: enquanto passou dias a
fio negando sua natureza, não pôde perceber que suas marcas de cera
ficariam para sempre, grudadas na madeira.
(publicado na Revista Minguante - 2008)
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